Pinceladas para a eternidade – 500 anos de Rafael Sanzio

O ‘divino pintor’, gênio sensível, príncipe das artes, quase um Deus mortal. Todos esses títulos, provenientes de vozes espalhadas pelo mundo, são atribuídos a Rafael Sanzio, um dos maiores artistas do Renascimento. Há 500 anos de sua morte, as celebrações que levaram anos para serem preparadas na Itália foram suspensas em consequência da emergência Covid-19. Agora as obras repousam na escuridão, em salas climatizadas e, como todos nós, em uma longa espera durante esses tempos de distanciamento social. A mostra “é uma Bela Adormecida à espera do príncipe que irá despertá-la”, disse o presidente do museu romano, Mario di Simoni. A este ponto, porém, pouco importa se o príncipe chegará atrasado, pois as obras que nos foram presenteadas por Rafael são eternas.

No lugar de todos esses títulos, no entanto, dizer simplesmente ‘Rafael’ ou ‘Raffaello’, como é intitulada a mostra das Scuderie del Quirinale, em Roma, parece ser suficiente, já que ele pode ser facilmente reconhecido em suas obras. Os traços distintos das suas madonas com crianças, dos retratos de papas, cardeais e senhores do seu tempo, dos afrescos das salas do Vaticano e de tantos outros trabalhos que o tornaram famoso mundialmente, nos levam rapidamente ao mestre da pintura italiana, nascido em Urbino em 1943.

Filho do pintor Giovani Santi, Rafael foi influenciado pelo pai e muito cedo aprendeu as técnicas artísticas básicas. Com a morte de Santi, quando ele tinha apenas onze anos, o tio, sacerdote Bartolomeu, confiou sua formação ao pintor Pietro Vanucci, conhecido como ‘Perugino’. Em 1504, Rafael se transferiu para Florença e logo demonstrou vontade de conhecer Leonardo da Vinci e Michelangelo Buonarroti. Nesse período, ele pintou numerosos retratos, mais especificamente as madonas com crianças. No final de 1508, se mudou para Roma e recebeu do papa Júlio II a missão de concluir os afrescos nos apartamentos do Vaticano.

Mai do que nunca Rafael conquistava a admiração de todos e se tornava o artista mais requisitado da cidade. A pintura continuava sendo sua principal atividade, mas acabou cedendo espaço também para a arquitetura, estudada a priori para dar suporte à primeira. Foi como arquiteto que Rafael respondeu ao chamado do papa Leão X para substituir Donato Bramante, morto em 1514, na construção que marcaria para sempre a história da arquitetura, a Basílica de São Pedro, à qual se dedicaram também outros grandes mestres, como Michelangelo Buonarroti. Rafael morreu em 1520, com apenas 37 anos, e com ele extinguiu-se também o seu  projeto para a Basílica. Apesar de jovem, o ‘príncipe dos pintores‘, como é chamado por muitos, serviu de inspiração para diversos artistas nos séculos sucessivos, entre os quais Caravaggio e Salvador Dalí. [Fotos: auto-retrato de Rafael 1505-06, Uffizi, Florença (Raphael, Wikimedia Commons Public domain Mark 1.0). Detalhe da obra de arte “A Madonna Sistina” por volta de 1513-1514 (Raphael, Wikimedia Commons, Public domain Mark 1.0)]

Rafael Sanzio, mostras aguardam reabertura

As mostras interrompidas pela pandemia aguardam reabertura. Em Roma, a exposição ‘Raffaello 1520-1483′ reúne mais de 100 obas de arte provenientes de coleções e museus de todo o mundo. Somente a Galeria degli Uffizi de Florença contribuiu com cerca de 50 pinturas. A esperança é que a mostra com encerramento programado para 2 de junho, data limite para os contratos de empréstimo, consiga reabrir em tempo hábil. Enquanto se espera, a Galeria degli Uffizi preparou um tour virtual que pode ser acessado clicando aqui ou digitando a hashtag #RaffaelloOltrelaMostra. Outras comemorações serão reabertas na região das Marcas (Le Marche), onde nasceu Rafael, na Emília Romanha (em italiano, Romagna) e na Lombardia.

Não é somente a Itália a celebrar Rafael Sanzio. No Brasil, o Centro Cultural da Fiesp, em São Paulo, realiza a exposição Rafael e a Definição da Beleza’ com obras nunca mostradas no país provenientes de museus em Roma, Nápoles e Modena. Ainda em São Paulo, o Museu de Arte Moderna (MASP), conserva a única obra de Rafael que se encontra fora das coleções europeias e dos Esta

 

Unidos: a “Ressureição de Cristo, datada de 1502 e adquirida pelo museu em 1954. Também nos Estados Unidos, as comemorações estão em fase de espera. A National Gallery of Art, em Washington DC, celebra os 500 anos de morte de Rafael Sanzio com a mostra ‘Raphael and his Circle’, que no momento pode ser visitada somente no site da Galeria em um tour 3D.

Na Inglaterra, a National Gallery de Londres dedica uma grande mostra à Rafael. Com o título The Credit Suisse Exhibition: Raphael, a exposição será realizada de outubro de 2020 a janeiro de 2021 e irá expor mais de 90 obras provenientes de diversos museus como o Louvre, Vaticano, Uffizi e a Galeria de Arte de Washington. Em mensagem, o presidente da República Italiana, Sergio Mattarella, externou seu sentimento: “o desejo é que as portas possam ser reabertas o quanto antes e que daquele espírito renascentista que tornou as obras de Rafael incomparáveis possa ser retirada a energia que precisamos para o recomeço da Itália e da Europa”. Com os meus melhores votos!

A “Madonna Sistina”, entre as pinturas  mais famosas de Rafael (1513-14). (Raphael, Wikimedia Commons Public domain mark 1.0)
“Il Trionfo di Galatea”, afresco de Rafael Sanzio, em torno de 1512, Villa Farnesina, Roma. (Raphael, Wikimedia Commons CC BY-SA 3.0)
“O Retrato do papa Júlio II”, 1511, National Gallery de Londres. Uma segunda versão datada de 1512 é conservada na Galleria degli Uffizi, Firenze. (Raphael, Wikimedia Commons  Public domain Mark 1.0),
“A Ressureição de Cristo”, 1501-02, conservada no Museu de Arte de São Paulo, Brasil. . (Raphael, Wikimedia Commons Public domain Mark 1.0)
“São Jorge e o dragão”,1505, National Gallery of Art, Washington, USA. (Raphael, Wikimedia Commons Public domain Mark 1.0)

 

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“Os anjos no céu falam italiano.” (Thomas Mann)

Dante in Paradiso - Divina Commedia

“Mas, senhor, o que estais me perguntando? Eu estou verdadeiramente apaixonado por essa belíssima língua, a mais bela do mundo. Tenho somente que abrir a boca e involuntariamente ela se torna a fonte de toda harmonia deste idioma celeste. Sim, caro senhor, eu não tenho dúvidas de que os anjos falam italiano. Impossível imaginar que essas criaturas do céu usem uma linguagem menos musical.”

Esta é uma verdadeira declaração de amor ao italiano. Thomas Mann, prêmio Nobel de Literatura em 1929, fez com que o protagonista do seu romance, “Confissões do Impostor Felix Krull, respondesse desse modo ao gerente do hotel que o perguntara se ele sabia italiano. Mann, nascido na Alemanha, além dessa encantadora confissão nos presenteou com obras como “Morte em Veneza, que mais tarde deu origem ao premiado filme homônimo.

Se, então, o italiano é a língua dos anjos, aposto que é também a língua oficial no céu, o que você acha? Não estou surpresa pelo fato de o italiano ter alcançado o céu e nem mesmo de ter atravessado as fronteiras aqui na terra como a mais romântica, doce, melódica, harmoniosa e sedutora das línguas. Todos sabemos que o belo é subjetivo e que uma língua não é mais bonita do que a outra, mas no caso do italiano o que faz com que tantos compartilhem a mesma paixão? É verdade que muitos estudos e pesquisas na tentativa de explicar tudo isso já foram realizados por linguistas famosos e por outros que, como nós, são simples ‘operários’ das palavras. Porém, tenho a intuição que serão os anjos que um dia nos darão uma explicação convincente. (Foto: Dante Alighieri no Paraíso por Gustavo Doré 1832-1833 – Gustave DoréPublic domain Mark 1.0, via Wikimedia Commons)

O italiano nasce da poesia de Dante

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     Dante e o seu poema, afresco de Domenico di Michelino – Catedral de Florença (1465)   [Domenico di MichelinoPublic domain Mark 1.0, via Wikimedia Common] 

A Itália no passado era uma babel de dialetos na maioria derivados do latim. Dividida em feudos frequentemente em guerra entre si, também a língua foi sujeita à fragmentação. Os habitantes da península falavam dialetos locais incompreensíveis para quem era de outra região. Com a unificação italiana, em 1861, surgiu também a preocupação em instituir uma língua nacional. Os intelectuais italianos se reuniram e escolheram o dialeto de Florença como a língua oficial da Itália. “Eles precisaram recuar duzentos anos para encontrar o dialeto mais bonito e decidiram pela linguagem pessoal do grande poeta florentino Dante Alighieri”, disse a escritora americana Elizabeth Gilbert, autora do best-seller, “Eat, Pray, Love (Comer, Rezar, Amar). O italiano como língua nasce, portanto, da poesia de Dante.

Quando publicou a “Divina Comédia”, em 1321, Dante chocou o mundo literário por não tê-la escrito em latim.  Para contar sua viagem ao Inferno, Purgatório e Paraíso, ele buscou nas ruas o verdadeiro idioma florentino, falado pelo povo. “O idioma que falamos hoje é fundamentalmente dantesco. Nenhum outro idioma europeu tem uma linhagem tão artística”, afirma a escritora. Segundo ela, o italiano escrito por Dante pode ainda ser facilmente compreendido por qualquer um que conheça o italiano moderno. “Na última linha da Divina Comédia, na qual Dante encontra Deus em pessoa, ele escreve que Deus não é apenas uma imagem ofuscante de luz gloriosa, mas, acima de tudo, Ele é ‘l’amor che muove il sole e l’altre stelle’... (o amor que move o sol e as outras estrelas…)”.

Quarta língua mais estudada no mundo

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Em 1861 somente 2,5% da população na Itália falava italiano corretamente e outros 10%, apesar de não falar, o compreendia.  Nos anos 50, já no século XX, o italiano ainda perdia para os dialetos: 18% dos italianos se comunicavam na língua oficial; 18% alternavam entre o italiano e o dialeto, enquanto 64% usavam apenas o dialeto local. Somente há cerca de 60 anos, com a alfabetização nas escolas e o advento da TV, é que o italiano se tornou a língua predominante. De acordo com dados estatísticos de 2015, publicados pelo ISTAT (Instituto Nacional de Estatística), 45,9% da população fala predominantemente italiano; 32,2% utilizam tanto o italiano quanto o dialeto e 14% ainda se comunicam somente em dialeto (6,9% falam outras línguas e são caracterizados pelos imigrantes).

Atualmente o italiano é a quarta língua mais estudada no mundo. A notícia, publicada exaustivamente pela imprensa e por vários blogs italianos, ´foi divulgada pela “Ethnologue: Languages of the World”uma publicação impressa e eletrônica do “SIL International. Nos três primeiros lugares aparecem o inglês, o espanhol e o mandarim, respectivamente. O idioma de Dante, portanto, superou o francês e o alemão, entre outras línguas. Na classificação pelo número de falantes, no entanto, o inglês segue na liderança, o português ocupa a 10a posição e o italiano está em 21o lugar.

Os motivos pelos quais o italiano é a quarta língua mais estudada podem ser vários e possivelmente a cultura italiana está entre os principais deles. Acredito que a musicalidade do italiano falado também influencie muito e, por que não dizer, até 

mesmo a comida. Há algum tempo li em um artigo veiculado pela imprensa italiana o comentário de um professor de italiano que dizia mais ou menos assim: “talvez apenas para ler nossas divinas receitas, muitos estrangeiros se interessam em aprender nosso vocabulário”.

Ao entrar para a universidade no Brasil optei por estudar italiano. O que mais motivou a minha escolha foram as raízes familiares, o vínculo com a cultura e o fascínio pela música daquela época. Mas haviam ainda diversas outras razões: a beleza das palavras, a literatura, o cinema, a história, a arte, a comida, a vontade de visitar a Itália e a emoção que a língua me fazia experimentar. Tudo isso fez com que o italiano se tornasse a minha segunda língua. Mais tarde, a necessidade fez com que eu aprendesse inglês, mas se hoje sinto orgulho de ter o português como minha língua nativa, e eu a amo, para mim o italiano é pura fonte de prazer.

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Falado no céu e no exterior

Outra vez é Elizabeth Gilbert quem nos explica o poder de sedução da língua italiana. “O aspecto interessante da minha turma de italiano é que ninguém tem necessidade de estar aqui. Somos em 12, de todas as idades, provenientes de todas as partes do mundo, mas cada um veio a Roma impulsionado pelo mesmo desejo – estudar italiano exclusivamente pelo prazer de aprendê-lo. (…) Cada um, mesmo o ansioso engenheiro alemão, pensa da mesma maneira: queremos estudar italiano para desfrutar das sensações que a língua nos transmite. Uma russa do semblante triste diz que se presenteou com essas lições de italiano porque achava que ‘merecia algo de belo'”.

Depois de nos ter transportado através do Inferno e nos ter feito percorrer o Purgatório até chegar ao Paraíso, onde talvez os anjos tenham aprendido a falar italiano, a língua da comédia divina de Dante venceu não somente as barreiras dentro da península itálica, mas foi além das fronteiras e conquistou novos e incuráveis apaixonados. Não parou nem mesmo nas terras vizinhas e lentamente foi se mostrando irresistível àqueles que vivem no continente americano e agora no mundo asiático. As últimas notícias nos chegam pelo jornal “Elaph, o primeiro diário árabe independente online, que declara: “O italiano é a língua mais bela.” 

A conclusão é da jornalista Sarah al-Shamali depois de ter realizado uma análise pessoal sobre as línguas mais conhecidas. Na análise efetuada, Sarah al-Shamali levou em consideração o inglês, francês, espanhol, alemão, português, hebraico, árabe e o chinês, entre outras línguas. Ela avaliou sonoridade, estrutura, versatilidade e o uso dos idiomas confrontados e concluiu que a língua italiana é de longe a mais bela. Segundo ela, “O italiano é a melhor das línguas pela sua forte expressividade e eloquência. Além disso, o tom romântico e os gestos característicos usados pelos italianos dão à língua uma dimensão mais humana”. A notícia foi veiculada pelo ArabPress, com um link para a publicação original.

A partir dos artigos do “Elaph e da declaração feita pelo professor de italiano que comentei lá em acima, pode-se concluir que seja pela “Divina Comédia ou pelas divinas receitas da cozinha italiana, a língua de Dante nos seduz. Isso me faz recordar um livro no qual estudei intitulado “L’italiano, una lingua maliarda”, de Romolo Traiano, publicado pela editora Centro Studi Ca’romana, em 1987. Desde então Traiano sabia que o italiano é realmente uma língua sedutora.

A língua italiana no Brasil

Durante o período mais intenso da emigração italiana, entre 1875 e 1935, um milhão e meio de italianos chegaram ao Brasil. Entre eles, mais da metade eram vênetos, como meus bisavós Valentino Fasolato e Elvira Pressato, e falavam o dialeto vêneto que apresentava consonância com o português. Durante a Segunda Guerra Mundial, o então presidente da República, Getúlio Vargas, proibiu o uso falado e escrito da língua italiana no Brasil fechando inclusive as escolas. A proibição fez com que os italianos e seus descendentes se comunicassem entre si usando um misto de vêneto e português o que permitiu o nascimento de uma nova língua: o Talian. Chamado também ‘vêneto brasileiro’, em 2014 foi reconhecido oficialmente como língua se tornando parte do patrimônio histórico e cultural brasileiro. Ma cos’elo sto Talian? Bem, sobre isso falaremos em outro post.

Antonio Prado (RS) cidade italiana

Antônio Prado (RS) uma das cidades italianas mais importante no Brasil, – Portal da cidade por Marinelson Almeida – Flickr Attribution CC BY 2.0

 

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Carnaval de Veneza, uma experiência única.

carnevale venezia
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carnevale venezia

O carnaval de Veneza é algo para ser vivido pelo menos uma vez na vida, não tem nada igual. É como acordar durante um sonho e perceber que está na praça São Marcos no século XVIII. O mundo mudou fora e muda dentro de você. Cores, rendas, apliques, veludos suaves, a beleza das fantasias e o mistério, escondido nos olhos, por trás das máscaras. Não existe nada mais fascinante do que o mistério e a maravilha estampada nos olhos. Pois bem, é carnaval! Impossível não falar sobre a beleza e a magia que se vive em Veneza nesses dias.

A origem do carnaval de Veneza remonta a 1094 quando, pela primeira vez, o vocábulo foi usado para descrever diversão pública. Mas, foi no século XVII que o carnaval ganhou prestígio. Os nobres também queriam se divertir e através do anonimato permitido pelas máscaras se misturavam ao povo nas ruas. Usar uma máscara significava não revelar a identidade, o sexo e a classe social. Assim, era possível entrar em um mundo ilusório onde tudo era possível e permitido. O ato de tirar a máscara e revelar o rosto muitas vezes sinalizava disponibilidade à abordagem dos pretendentes. Em cada história, o possível epílogo tinha origem na ‘magia’.

Máscaras, símbolo de liberdade.

carnevale venezia pierrot

As máscaras se tornaram símbolo da liberdade. A bauta, usada tanto por homens quanto por mulheres, é uma das mais antigas e tradicionais e nunca falta no carnaval de Veneza. Ela é composta por uma máscara branca sob um chapéu de três pontas e um amplo manto negro chamado tabarro. Mas isso não é tudo. Não existe carnaval em Veneza sem Arlequim, Colombina, Gato, Moretta e, obvio, o meu preferido, o belíssimo Pierrot… Ok, me concedo uma lágrima para sonhar esse apaixonado, tão romântico quanto infeliz!

O mundo, porém, algumas vezes se mostra estranho. Em 1797 a beleza do carnaval de Veneza foi proibida por Napoleão Bonaparte, após a invasão do Norte da Itália. As máscaras foram banidas por temor de desordem e invasões por parte da população. Somente quase dois séculos depois o evento foi retomado, assim como também a tradição das fantasias. Dessa maneira, se desencadeou em Veneza um verdadeiro comércio de máscaras.

Com o resgate das festas e com as tradições restabelecidas, os artesãos recuperaram tudo aquilo que parecia esquecido e aprimoraram o negócio. Atualmente utilizam diversas técnicas e materiais e realizam cursos para quem quiser aprender a arte de produzir máscaras. Trabalham argila, gesso, gaze, porém as mais artesanais são aquelas elaboradas seguindo a tradição antiga em que o papel machê, composto de restos de papel absorvente picado e cola, é obido rigorosamente através do trabalho manual.

Para produzir as máscaras venezianas mais cobiçadas, primeiro cria-se o modelo e o molde no qual o papel machê é trabalhado e colocado para secar. Removido o molde, é hora de terminar a obra decorando-a e enriquecendo-a com plumas, missangas, desenhos e tudo o que a imaginação permitir. Nesse caso, palavras não dizem muito, somente as imagens são capazes de descrever tanta beleza.

carnevale venezia

No meio de tanta gente tem até quem conseguiu tirar um cochilo.

🙂

 

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Máscara de carnaval vetor: Pixabay

No dia do imigrante italiano, um tributo a Valentino e Elvira

A pequena cidade de Torreglia, situada no Veneto, também acrescenta história ao livro intitulado Itália do qual até mesmo meus bisavós Valentino e Elvira foram coautores. Mantendo viva a memória, resgatamos nosso passado.
Este é um relato de despedidas e de encontros, um pequeno parágrafo dessa história escrita por quem um dia partiu de Torreglia, porém ainda desconhecido para aqueles que hoje vivem e constroem a Torreglia do futuro.
 Sinto-me afortunada pela oportunidade de reportar, com Valentino e Elvira, uma história distante e esquecida e por nela ter encontrado as minhas raízes. Não tem data melhor do que 21 de fevereiro, dia do imigrante italiano no Brasil, para publicar essa homenagem aos tantos “Valentinos” e “Elviras” que partiram em busca de melhores oportunidades de vida e de trabalho.

Tudo começou quando …Na America

Tudo começou quando o Brasil, sentindo ser necessário substituir a mão de obra escrava, teve conhecimento que grupos de imigrantes europeus estavam deixando seus países em busca de uma vida melhor do outro lado do Atlântico. O canto da sereia chegou em forma de tantos panfletos quanto possível, cheios de promessas irresistíveis, que diziam: “…na América. Terra no Brasil para os italianos. Navios partem todas as semanas do porto de Genova. Venham construir seus sonhos com a família. Um país de oportunidades. Clima tropical e moradia para todos. Riquezas minerais. No Brasil vocês poderão ter o castelo de vocês. O governo dá terra e equipamentos para todos.” Assim, em 21 de fevereiro de 1874 chegou ao Brasil a primeira expedição de italianos.

Valentino e Elvira não foram os primeiros a desembarcar, mas certamente cresceram juntamente com esse sonho. Sim, eles ousaram, e em busca desse sonho partiram ainda jovens (ele com 25 e ela com 21 anos) da via Vallorto, em meio às colinas, para uma longa e desconhecida viagem. Casados há apenas quatro meses, naquele abril de 1896, eles subiram a bordo do vapor Rosário, no porto de Genova. Em Torreglia, deixaram a família, os amigos e o coração. Na mala colocaram só a esperança de uma vida melhor e quando se afastaram do porto não sabiam, mas estavam dando adeus à Itália.

Aqueles eram anos difíceis na terra natal, e no além-mar muitas eram as promessas de uma nova vida. Valentino e Elvira eram apenas mais dois entre os milhares de italianos que responderam a esse chamado. A decisão de emigrar não era uma escolha livre, vinha da necessidade e, por isso, havia sempre a esperança de retornar à pátria. Para Valentino e Elvira não foi diferente. Depois de um mês de viagem, no dia 02 de maio de 1896, mais precisamente há 124 anos, desembarcaram no porto do Rio de Janeiro. Tinham conseguido, juntamente com outros 953 passageiros de terceira classe, vencer as intempéries da viagem e as doenças. O destino do casal era Juiz de Fora (minha cidade natal), no estado de Minas Gerais. Valentino e Elvira não sabiam que daquela decisão começavam a traçar também a minha história.

Além das fronteiras: trabalho duro, família e saudade

Valentino Fasolato, primogênito de seis filhos do casal Giuseppe Fasolato e Antonia Pravato, nasceu no dia 28 de junho de 1870. Além dos pais e parentes, deixou em Torreglia seus dois irmãos, Luigi e Adamo (este último se casou com Domenica Gallo), e a irmã, Angela, que anos mais tarde esposou Agostino Bernardi. Elvira Pressato nasceu em 4 de fevereiro de 1874 e era filha de Giovanni Pressato e de Scolastica Neri. Juntos, Valentino e Elvira começaram uma grande família Fasolato que ultrapassava as fronteiras de dois países unindo culturas diversas. Tão logo chegaram à Minas, o casal se instalou em Sarandira, distrito de Juiz de Fora, onde Valentino trabalhava a terra, como havia aprendido em Torreglia.

Mais tarde, com a mudança para Juiz de Fora, Valentino se estabeleceu como jardineiro. Começou um pequeno horto onde cultivava, vendia mudas ou as usava para dar vida aos jardins das casas mais elegantes da cidade. A vida era dura, feita de muito trabalho, e como todos os imigrantes italianos naquela época, Valentino e Elvira aprenderam também a conviver com a saudade que afligia continuamente o coração. A esse ponto, o pensamento de retornar à pátria, reencontrar a família, os amigos, retomar os hábitos, reviver os sabores e os odores da terra natal pareciam mais distantes. A situação econômica, o trabalho, os filhos, oito no total, faziam com que seguissem em frente e se empenhassem ainda mais para melhorar e consolidar a estabilidade da família.

Hoje, no Brasil, existem centenas de descendentes dos Fasolato e, no geral, todos os descendentes de italianos do país já somam cerca de 28 milhões.

É preciso recontar para não cair no esquecimento

navio-vapor=imigrantes

Alguns com maior sorte, cada um com o próprio destino. Na verdade, o “paraíso” que fez nossos bisnonni e nonni sonharem estava longe de ser real. Apenas chegavam, os imigrantes eram levados para a Hospedaria dos imigrantes onde passavam por uma triagem para avaliação do estado de saúde e, em seguida, eram colocados em trens e levados para os lugarejos mais distantes. Os “castelos” eram casas velhas e primitivas ou um teto ainda por ser constuído, longe das cidades. Eles se sentiam confinados, isolados e estavam sujeitos às doenças tropicais. Não tinham transporte, não podiam se comunicar com a terra natal, não falavam a língua local, não tinham qualquer assistência, nem médica nem religiosa. Estavam carentes de tudo. O vinho e o queijo deram lugar à farinha de mandioca. Hábitos e tradições foram violados e laços familiares rompidos.

Para retomar suas vidas, os imigrantes italianos tiveram que cortar duras amarras colocadas por aqueles que os exploravam. Lutaram contra a ganância e o egoísmo, criaram famílias, novos hábitos,

 

plantaram, colheram, ergueram cidades, recuperaram tradições, aprenderam, ensinaram. O vinho e o queijo voltaram à mesa e muitos, como Valentino e Elvira, ousaram novamente: sobreviveram. Valentino viveu 45 anos no Brasil e Elvira 49. Foram anos de trabalho duro e saudade. Anos passados a sonhar em retornar ao seu país; anos de alegria e lágrimas. Quando partiram para o mundo espiritual, ambos tinham 70 anos, Valentino e Elvira talvez não saibam, mas, com certeza, a missão deles foi cumprida. Deles herdei o sangue, os valores, a cidadania italiana, o interesse pela Itália, pela língua, cultura, música e não só, herdei também o sonho. Fiz por Valentino e Elvira a viagem que jamais conseguiram fazer, comigo eles retornaram para a Itália e quem sabe um dia conseguirei levá-los de volta para casa, para sua querida Torreglia. Morar em Torreglia é ainda um sonho.

Neste 21 de fevereiro de 2020, dia do imigrante italiano no Brasil e quando o movimento migratório italiano completa 146 anos, recebam esta história como uma declaração de amor!

Núcleo urbano primitivo em Caxias do Sul, “Sede Dante”, 1876-77 aproximadamente. (Unknown Author, Wikimedia Commons Public Domain Mark 1.0

 

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A Itália é como um livro – Venha ler!

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Perambular pelas ruas na Itália é viajar na história. Voltamos no tempo e nos descobrimos protagonistas deste enorme livro. Uma belíssima edição ilustrada e em cores. Cada esquina tem alguma coisa para nos contar. Basta estar atento e ouvir. Saint-Exupéry, autor de O Pequeno Príncipe, escreveu: “Somente podemos ver bem com o coração”. Mesmo podendo perceber a Itália através de todos os nossos sentidos, somente o coração pode ver aquilo que é invisível aos nossos olhos… o essencial. A arte, literatura, cinema, arquitetura, o aroma do cappuccino, o cheirinho da pizza, o sabor do vinho, as janelas floridas, o acordeão que pelas ruas toca O Sole Mioa Itália é tudo isso!

Para mim a Itália tem algo mágico. Encontrar nas páginas desse hipotético livro a minha própria história, as minhas raízes, tem um valor indescritível. E foi em Torreglia, uma pequena e acolhedora cidade da província de Padova, no Vêneto, que encontrei um capítulo especial. Neste resumo, faço uma introdução sobre o que a Itália tem para contar.  Acompanho vocês nesta viagem!

italia-livro

  A Itália em capítulos– da Pré-história à Idade Média…

Correzzola is magically set to revive the Middle Ages
Correzzola magicamente ambientada para reviver a Idade Média
middle-age-festivities-Correzzola

O primeiro capítulo desse livro nos leva à Pré-história. A Itália era habitada já no período Paleolítico e, segundo artigo publicado na revista National Geographic, o sítio arqueológico Monte Poggiolo, na Emilia Romagna, é a mais antiga evidência da presença humana na península. “Eram Padanos os primeiros habitantes da Itália. Os primeiros hominídeos chegaram ao Vale do Pó há cerca de 850 mil anos, após drásticas mudanças climáticas”, afirma o artigo.

No segundo capítulo, um giro pela história antiga nos faz resgatar as civilizações etrusca, fenícia, grega e romana. Palermo, fundada pelos fenícios, Nápoles e Roma representam as cidades mais importantes deste período. Folheando as páginas descobrimos que a organização sócio-política romana deixou uma marca indelével na história. Os romanos construíram cidades, portos, estradas, aquedutos e fortificações e não é raro nos vermos frente a frente a um sítio arqueológico romano. A história se abre viva diante de nossos olhos.

Quer dar uma volta pela Idade Média? Ok… isso também é possível. As festas medievais são sempre uma atração. Eu tive o prazer de viver o período medieval em Correzzola, (fotos) município da província de Padova que, desde então, é habitado por uma pequena comunidade. Todos os anos, em julho, Correzzola é magicamente ambientada para reviver o período das trevas e… minha nossa, que aventura! Acabei com a cabeça no pelourinho (gogna em italiano) que, na verdade, é o final da palavra vergogna (vergonha em português) e é exatamente isso que sentimos quando nos encontramos naquela posição embaraçosa. Por sorte, o meu “carrasco” de Correzzola tinha bom coração e me libertou ou eu não estaria aqui contanto o terceiro capítulo deste livro.

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O Renascimento, a Idade Moderna, o Ressurgimento, as guerras…

E aqui estamos nós, orgulhosos por combater pela unidade nacional, participando, deste modo, do Ressurgimento Italiano. O Reino da Itália é proclamado, a capital é transferida para Roma e o dialeto toscano é escolhido como língua oficial. Mais tarde, explodem as guerras que deixam marcas. Ainda hoje encontramos pequenas, mas profundas, feridas nos muros, cicatrizes eternas mantidas em memória aos conflitos. Pesquisando encontrei a Brigada Fasolato, uma das tantas que lutou pela Resistência. Tenho perguntado a mim mesma se tive algum parente “partigiano”, mas essa ainda é uma pesquisa para se aprofundar.

No quarto capítulo viajamos com destino à Idade Moderna. O portão de embarque é o Renascimento, um período de transição e mudanças na história europeia. Florença desempenha um papel importante neste percurso no qual encontramos Dante, Giotto, Petrarca, Boccaccio, Donatello, Michelangelo, Leonardo… São muitas as páginas que se somam neste voluminoso livro. As descobertas geográficas, as invenções… Marconi inventou o rádio e Meucci, apesar do reconhecimento tardio, inventou o telefone. É o início de uma nova era.

E muito mais por descobrir:

Este livro nos conta ainda muito mais. Em suas páginas verificamos como Veneza, a cidade que parece flutuar, foi construída. A beleza incomparável de Veneza é um convite para se perder em suas calli, passagens estreitas, seguir o movimentar das gondolas… se apaixonar em e por Veneza. E, então, pegar o vaporetto e desembarcar na magia das cores de Burano. Para nós, uma caminhada de encantamentos. Para os pescadores que moram na ilha, no entanto, as cores variadas e fortes com as quais pintam suas casas servem para auxiliá-los a encontrá-las quando imersas na névoa espessa. A história passa diante dos nossos olhos como uma obra de arte do cinema italiano e enquanto cantarolamos “Nel blu dipinto de blu compreendemos, sim, que a vida é bela. No livro Itália, páginas e mais páginas são inseridas diariamente.

David by Michelangelo - a masterpiece of Renaissance

David de Michelangelo (Foto de Jörg Bittner Unna – Creative Commons Attribuzione 3.0 Unported) David-detalhe da mão (Foto de Rabe! – Attribution-Share Alike 4.0 International)

Cupido e Psique por Antonio Canova, 1787. (Foto de gadgetdude Creative Commons – Attribution 2.0 Generic.

Torreglia, um capítulo especial.

"La caduta degli angeli ribelli" (A queda dos anjos rebeldes) de Agostino Fasolato (c.1750): 60 figuras esculpidas em um único bloco de mármore de Carrara. A obra de arte faz parte da coleção do banco Intesa Sanpaolo e está exposta permanentemente nas Gallerie d'Italia, em Vicenza.

Acabamos de chegar em Torreglia, situada aos pés das Colinas Eugâneas. Um lugar especial para mim porque ali encontrei as minhas raízes. Folheando os antigos registros mantidos pela paróquia e pelo cartório municipal encontrei inúmeros Fasolato. Alguns famosos, como Giacomo Fasolato, escritor, linguista e lexicógrafo, nascido em Torreglia em 1682. Ele apreciava tanto o Latim que latinizou a grafia de seu nome tornando-se Jacopo Facciolati. Numerosos também os registros dos Fasolato pertencentes à ordem dos escultores e trabalhadores das pedreiras que figuram nos documentos conservados pelo Arquivo de Estado de Padova. Entre eles, Agostino Fasolato (1750 aproximadamente) que esculpiu 60 figuras em um único bloco de mármore de Carrara com altura de quase dois metros. “La caduta degli angeli ribelli”, (em português, “A Queda dos Anjos Rebeldes”), foi o nome dado por ele à sua obra.

Porém, foi diante de uma pequena casa feita de pedras e pedaços de tijolos que eu toquei a história mais profundamente. Ali, na via Vallorto, viveu meu bisavô, Valentino, e olhando aquela casa um filme se passou pela minha mente. Imaginei a casa habitada, iluminada somente por uma fraca luz que mal alcançava a janela… Sim, entrei na máquina do tempo e desembarquei no século XIX. Olhei a paisagem através de seus olhos de camponês. Subi pela longa estrada em direção à igreja de São Sabino que, através dos registros de nascimento e casamento, conservou viva a história. Essa mesma história que ainda hoje me conta que em 1895 Valentino Fasolato se casou com Elvira Pressato.

Imaginei Valentino enquanto tomava a decisão que mudaria a vida de toda a família: partir para o Brasil em uma viagem só de ida em um navio a vapor chamado Rosário, que depois de tantas viagens, em 1915, escolheu repousar no fundo do oceano. Enquanto tudo isso passava pela minha mente, os sinos da igreja soavam. Talvez tenham feito de propósito para que eu pudesse escutá-los como Valentino e Elvira os escutaram antes de partir. Apaguei as luzes da cidade na minha imaginação. Experimentei a escuridão, o inverno, a solidão e a fome, que fez com que eles abandonassem a sua pátria, os seus laços. Retorno sempre a Torreglia. Gosto de olhar a bela paisagem das colinas. Torreglia me contou muito da minha história. A Itália vai além dos cinco sentidos.

Acima: Torreglia, provincia de Padova. Abaixo, da esquerda, a casa onde morou Valentino, eu em uma visita a Torreglia e, por último, uma vista das Colinas Euganeas (Colli Euganei).
Valentino's house
rosangela-a-day-in-torreglia
torreglia-castelletto

 

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